quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Cientistas criam enzima capaz de retirar CO2 da atmosfera


 

Retirar quantidades massivas de dióxido de carbono (CO2) da atmosfera é um desafio que, até ao fim do século, deverá ser superado pela humanidade para que catástrofes climáticas não tornem a vida na Terra mais difícil do que já é. Soluções propostas até então podem ser efectivas sob certa perspectiva, mas todas exigem altos investimentos em produção de energia e equipamentos, além de materiais não tão fáceis de se conseguir, a exemplo do hidrogénio – o que as torna inviáveis, por enquanto.

Entretanto, um grupo de cientistas europeus adoptou uma abordagem inédita que pode mudar o rumo dessa história. Planearam vias metabólicas inéditas capazes de incorporar gases em reacções celulares a níveis nunca vistos antes.

Considerando que, na natureza, não existe coisa alguma que combine todos os elementos necessários para uma aplicação do tipo, concretizar um projecto dessa magnitude é uma tarefa extremamente complexa.

É certo que funções semelhantes muito menos potentes, espalhadas por diversas etapas em diferentes reacções, fazem parte da rotina de unidades estruturais e funcionais de seres vivos, mas, levando em conta o nível de eficácia e a capacidade de captação dos poluentes esperados, são apenas bases para teorias mais ousadas.

Uma vez identificadas as substâncias químicas mais comuns presentes em células e etapas intermediárias de consumo de CO2, era preciso detectar quais enzimas poderiam lidar com o material – e foi a isso que os investigadores se dedicaram, justamente para construir algo que, em teoria, caberia à evolução.

Três etapas são necessárias para a ocorrência de vias metabólicas, em que cada uma fornece, por meio da acção de enzimas, o substrato necessário para a seguinte; das 11 substâncias avaliadas pela equipa, algumas naturais e outras artificiais, duas agiram de maneira considerada aceitável.

De todo modo, é preciso ressaltar que aminoácidos que participam desses processos são "programados" para encerrarem actividades enzimáticas após determinada atuação, o que limita aquilo que podem fazer. Pensando nisso, os investigadores os alteraram para que não "parassem" como manda o protocolo, aumentando, assim, os seus desempenhos de 30% a 60%, dependendo da abordagem.

Na segunda etapa, as coisas ficaram um pouco mais complicadas, e a única descoberta foi uma actividade "muito baixa, mas mensurável" de um conjunto de enzimas que sofreram intervenção. A partir da montagem de um verdadeiro quebra-cabeça dessa variedade, identificaram uma forma com três mutações com actividade 50 vezes mais potente.

Ou seja, o "tempo de vida útil" aprimorado permitiria capturar bem mais carbono da atmosfera.

Testar tais enzimas foi fácil, afirmam os responsáveis pela descoberta. Uma delas, inclusive, funcionou sem modificações significativas, gerando uma molécula de três carbonos intimamente relacionada ao glicerol, que pode ser usado por uma ampla variedade de vias, muitas das quais levam a moléculas maiores e mais complexas.

Isso é incrível de uma perspectiva energética, pois, em tese, a solução capturaria duas vezes mais carbono em cada ciclo e consumiria 20% menos recursos que o originalmente necessário, com o adicional de continuar atuando independentemente dos níveis de oxigénio gerados.

Aliás, incorporá-la a uma reacção que eliminaria um contaminante utilizado na manufatura de plásticos PET não está descartado. Infelizmente, existe um porém: nada foi testado em organismos vivos, apenas em bactérias, o que impossibilita, neste momento, altas expectativas de uma aplicação mais ampla.

Ainda falando dos "contras", um grama das enzimas necessárias eliminaria apenas 1,3 miligrama de dióxido de carbono por minuto – levando 13 horas para extrair um grama inteiro de dióxido de carbono da atmosfera, tudo dependendo, sempre, de fornecimento de energia. Continua inviável.

E mais: mesmo nesse caso, os testes se restringiram ao sistema externo das células em uma solução. Não se sabe que o método funcionaria na parte interna, algo necessário para se encontrar "a chave para uma biocatálise sustentável e uma bioeconomia neutra em carbono", afirmam os investigadores.

De todo modo, a equipa deu os passos iniciais de algo que pode, eventualmente, auxiliar o planeta, já que saiu da teoria e proporcionou uma realidade biológica. No futuro, mais do que apenas contarmos com a sorte, poderemos, talvez, actuar junto à natureza para optimizar o trabalho incrível que, hoje, é realizado apenas por ela.

O estudo completo pode ser encontrado na revista Nature.

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