sábado, 9 de maio de 2020

O que pode a Engenharia do Ambiente fazer pelas nossas cidades?


A evolução da gestão das cidades nas últimas décadas tem vindo a revelar-se uma tarefa cada vez mais exigente, devido à maior complexidade dos problemas ambientais como, por exemplo, sucede com os riscos e efeitos negativos das alterações climáticas ou com a necessidade de transição para cidades descarbonizadas e com uma economia mais circular.
Deste ponto de vista, é cada vez mais premente garantir que a gestão das cidades será assegurada por equipas multidisciplinares, com profissionais altamente qualificados. É aqui que se revela fundamental o papel dos profissionais de Engenharia do Ambiente, na medida em que estão habilitados para gerir temas tão diversos como a gestão de resíduos urbanos, a gestão e tratamento da água para consumo humano e das águas residuais nas cidades, a gestão dos ecossistemas urbanos, a análise e a gestão dos riscos ambientais (onde se destacam os relacionados com as alterações climáticas), a monitorização e a informação ambiental, a gestão da qualidade do ar e do ruído, o ordenamento do território ou a gestão sustentável de energia.
A par da capacidade de resposta de excelência a que os profissionais e empresas de Engenharia do Ambiente nos têm habituado nas últimas décadas (com destaque para os setores da água e dos resíduos, onde a excelência da nossa Engenharia é reconhecida internacionalmente), e que exige uma crescente especialização em cada uma das áreas de trabalho, os profissionais do setor são confrontados com a necessidade de planificarem e gerirem soluções multidisciplinares que respondam à crescente complexidade dos problemas ambientais das cidades.
Uso da tecnologia nos serviços ambientais
Hoje, existem cada vez mais exemplos bem sucedidos de utilização da tecnologia em áreas como a distribuição de água ou a recolha de resíduos urbanos, sem esquecer a forma como a tecnologia tem permitido uma gestão mais inteligente no consumo e produção de energia em edifícios ou na iluminação pública.
Uma das áreas onde os profissionais de Engenharia do Ambiente podem contribuir para uma gestão mais sustentável das cidades é a da recolha de resíduos urbanos e limpeza urbana, sendo um dos atuais desafios o do aumento da eficiência e do crescente recurso às tecnologias de informação, com o objetivo de melhoria da gestão dos serviços prestados. Esta é precisamente uma das áreas onde estes profissionais estão a conseguir, com o recurso à tecnologia, ganhos crescentes de eficiência e a otimização de custos num número crescente de cidades, devido à otimização dos circuitos de recolha e à diminuição do consumo de combustível. Acrescem ainda ganhos operacionais com a redução dos custos com a manutenção das viaturas de recolha de resíduos. Trata-se de um excelente exemplo de como os profissionais de Engenharia do Ambiente podem permitir às cidades gerirem de forma mais inteligente e eficiente os serviços urbanos.
Gestão de resíduos e a economia circular
Uma das mais exigentes missões das cidades é o fornecimento de serviços de qualidade que pratiquem tarifários justos e equilibrados e que permitam a cobertura dos respetivos custos. Contudo, existe ainda uma grande dificuldade em garantir que os tarifários de resíduos, para além de serem financeiramente sustentáveis, promovam melhores comportamentos ambientais. Convém a este propósito referir que, na generalidade das cidades portuguesas, se paga uma tarifa de resíduos cujo valor está indexado ao consumo da água nas habitações. Infelizmente este tipo de tarifários não incentiva os cidadãos a adotarem boas práticas ambientais, tal como a separação de resíduos e a redução da produção de resíduos através de alterações de hábitos de consumo ou da compostagem doméstica.
Atualmente, existe um número crescente de profissionais do setor envolvidos na análise da viabilidade e na planificação da implementação de tarifários PAYT (Pay-As-You-Throw), os quais visam assegurar que os cidadãos pagam pelos resíduos produzidos, promovendo a alteração de comportamentos, reduzindo a produção de resíduos indiferenciados e aumentando os resíduos recolhidos seletivamente. Outra área onde o contributo dos profissionais de Engenharia do Ambiente tem sido decisivo é na implementação da recolha seletiva dos bioresíduos assim como da recolha seletiva porta-a-porta multimaterial nas cidades.
De referir ainda a problemática do combate ao desperdício alimentar que tem vindo a afirmar-se como uma prioridade num número crescente de cidades europeias e portuguesas. Numa época em que se acentua a disparidade na distribuição de rendimentos e em que os índices de pobreza atingem por vezes níveis preocupantes, o combate ao desperdício alimentar deve ser assumido como um assunto prioritário, nas suas dimensões ambientais, económicas e de saúde. Para que este combate seja bem-sucedido nas cidades é necessário que se definam e implementem políticas públicas que promovam, em primeiro lugar, programas de educação e sensibilização para as questões relacionadas com o consumo sustentável e o desperdício alimentar. É ainda necessário que se implementem projetos e soluções, com o apoio dos profissionais de Engenharia do Ambiente e envolvendo a sociedade civil, que visem a alteração de comportamentos por parte dos cidadãos e de setores relevantes como o da restauração e hotelaria para se evoluir para cidades mais circulares.
Desafios da descarbonização e adaptação às alterações climáticas
É do conhecimento geral que, apesar de todos os esforços que têm vindo a ser desenvolvidos para a redução das emissões de gases com efeitos de estufa, o fenómeno das alterações climáticas continua a agravar-se e a fazer sentir os seus efeitos, por vezes, de forma extrema. Por um lado, continuamos a assistir a um aumento continuado da temperatura média anual, e, por outro, aumentam os fenómenos climáticos extremos, como as tempestades, furacões, cheias ou secas. Esta situação obriga a que as cidades se devam preparar para enfrentar temperaturas cada vez maiores e episódios climáticos extremos, adaptando as infraestruturas urbanas, de modo a minorar os efeitos daí decorrentes nos seus habitantes. Depois de termos assistido, numa primeira fase, à definição de estratégias de redução das emissões de gases com efeitos de estufa por parte dos governos, assistimos agora a uma segunda fase de políticas públicas de adaptação às alterações climáticas, na qual os profissionais de Engenharia do Ambiente têm vindo a desempenhar um papel cada vez mais relevante.
Neste contexto, tem-se assistido nos últimos anos à elaboração de estratégias locais e regionais de adaptação às alterações climáticas num número crescente de municípios e regiões portuguesas, num trabalho que envolve equipas multidisciplinares que é de elogiar. As medidas incluídas nas estratégias locais e regionais dizem respeito a inúmeras áreas de atuação relevantes para a gestão das cidades, incluindo a revisão dos planos de ordenamento, a preparação dos equipamentos de prestação de cuidados de saúde para as ondas de calor ou a reabilitação de edifícios públicos para melhoria do conforto térmico e dos níveis de eficiência energética, para lidar com o maior consumo dos sistemas de climatização associados. Sem esquecer a necessidade de se atenuar as consequências de fenómenos como os episódios de picos de chuva em curtos períodos de tempo, os períodos de seca cada vez mais prolongados com todas a pressões que causam nos sistemas de abastecimento de água ou os problemas das ilhas de calor nas cidades que precisam ser atenuados através da integração de mais zonas verdes no espaço urbano.
Complementarmente, as cidades devem definir estratégias que contribuam decisivamente para uma economia de baixo carbono, compatibilizando políticas promotoras do crescimento económico com a diminuição das emissões de gases com efeitos de estufa, e que incluam a concretização de projetos em áreas tão diversas como a mobilidade sustentável, a eficiência energética nos edifícios e infraestruturas das cidades (como a iluminação pública) ou a integração das energias renováveis no espaço urbano, com o objetivo de diminuir a dependência energética das cidades mas também aumentar a resiliência e eficiência das suas redes de distribuição de energia, minimizando os riscos de falhas de energia.
Termino este artigo afirmando que os profissionais de Engenharia do Ambiente têm sido e continuarão a ser capazes de dar uma excelente resposta em áreas como as que foram exemplificadas no presente artigo e que são cruciais para uma gestão sustentável das cidades.

Artigo por Pedro Fonseca Santos - Presidente da Direcção da APEA – Associação Portuguesa de Engenharia do Ambiente.

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